Diversidade Cultural
Alain Kiyindou
Qual será o impacto de uma rede informática mundial que permita a expressão aberta e a circulação rápida e a baixo custo de todos os tipos de documentos sobre as formas culturais? A construção das sociedades de informação inclusivas reabre o debate sobre a diversidade cultural ao renovar a percepção comum e a evolução desse termo de contornos mal definidos. Concentremo-nos no sentido dos dois termos diversidade e cultura.
A diversidade é percebida, com freqüência, como uma disparidade, uma variação, uma pluralidade, quer dizer, o contrário da uniformidade e da homogeneidade. Em seu sentido primeiro e literal, a diversidade cultural referia-se apenas e simplesmente, em conseqüência, à multiplicidade de culturas ou de identidades culturais. Mas, nos dias de hoje, esta visão está ultrapassada pois, para inúmeros especialistas, a «diversidade» não se define tanto por oposição à «homogeneidade» quanto pela oposição à «disparidade». Ela é sinônimo de diálogo e de valores compartilhados.
Com efeito, o conceito de diversidade cultural, acompanhando o de biodiversidade, vai mais além naquilo que a multiplicidade de culturas contempla, em uma perspectiva sistêmica na qual cada cultura se desenvolve e evolui em contato com outras culturas. No que se refere à cultura, ela tem suas origens na palavra latina cultura que designava os cuidados nos campos e com os animais. A partir do século XVI, passa a significar a ação de cultivar, quer dizer formar, acepção da qual decorre o sentido que lhe damos nos dias de hoje, em outras palavras, o que forma e molda o espírito. A cultura assume então este conjunto de significados, de valores e de crenças que determina nossa forma de fazer e de estruturar os modos do pensamento [1].
Um desafio econômico e cultural
O termo «diversidade cultural» foi, primeiramente, utilizado com referência à diversidade no cerne de um sistema cultural dado, para designar a multiplicidade de subculturas e de subpopulações de dimensões variáveis que compartilham um conjunto de valores e de idéias fundamentais. Em seguida, foi utilizado no contexto de miscigenação cultural, para descrever a coabitação de diferentes sistemas culturais ou, pelo menos, a existência de outros grupos sociais importantes no seio das mesmas fronteiras geopolíticas . Nos países do Terceiro mundo, a diversidade das identidades culturais vai se transformar rapidamente, na época da descolonização, em argumento político em favor da libertação e da independência dos países colonizados. Em seguida, ela vai, a partir dos anos 1960, impulsionar uma nova visão do desenvolvimento, o desenvolvimento endógeno. Será, de qualquer forma, seguida pela colocação em evidência de um novo vínculo, entre cultura e democracia, o qual fará com que se dê prioridade «à promoção de expressões culturais das minorias dentro do contexto do pluralismo cultural».
Nos dias de hoje, o termo «diversidade cultural» tende a substituir a noção de «exceção cultural» que foi utilizada nas negociações comerciais mundiais a partir do ciclo do Uruguai no interior do GATT, seguido pela OMC. Nesta abordagem, a diversidade cultural visa a garantir o tratamento particular dos bens e serviços culturais por meio das medidas nacionais e internacionais. A UNESCO redige atualmente (assinatura prevista para novembro de 2005) uma «Convenção sobre a proteção e a promoção da diversidade dos conteúdos culturais»[2].
O projeto reconhece a especificidade dos bens e serviços culturais e a legitimidade das políticas culturais. Entretanto, seu artigo 20, que trata das relações entre esta convenção e os outros instrumentos internacionais, principalmente a OMC, foi objeto dos debates mais acalorados com os Estados Unidos. No Estado atual, a convenção obriga as partes signatárias a levar em consideração as exigências da diversidade cultural enquanto elas interpretam e aplicam suas obrigações internacionais ou na medida em que subscrevem novos envolvimentos, mesmo que a convenção não esteja em oposição aos outros tratados. Uma fórmula diplomática extraída após longas negociações.
A proteção da diversidade cultural, do ponto de vista político e econômico, torna-se com efeito premente com a mundialização, que se caracteriza pela liberalização em grande escala das mudanças econômicas e comerciais e, conseqüentemente, aquilo que denominamos mercantilização da cultura. Por exemplo, pode-se notar que durante os dois últimos decênios, o comércio de bens culturais quadruplicou e novas normas internacionais (OMC, OCDE) em matéria de comércio suprimem cada vez mais, em nome da liberdade do mercado e do livre comércio, as intervenções de apoio ou de proteção dos Estados em favor dos bens e serviços nacionais. A declaração independente da sociedade civil à CMSI sublinha a urgência da situação nos seguintes termos: «a informação e o saber são cada vez mais transformados em recursos privados suscetíveis de serem controlados, vendidos e comprados, como se fossem simples mercadorias e não componentes indispensáveis para a organização e o desenvolvimento social. Portanto, nós reconhecemos que é urgente encontrar soluções para esses problemas, aos quais as sociedades de informação e de comunicação são confrontadas em primeiro lugar».
Com o advento das Tecnologicas da Informação e da Comunicação, as grandes empresas comerciais tiraram proveito dessas rupturas para forçar a adoção de revisões perigosas de textos legislativos no sentido de uma propriedade comercial da cultura. Esta ofensiva de uma cultura «mercantilizada» tende a deslocar os locais de debate e de decisão dos organismos multilaterais da ONU para entidades como a OMC e os acordos e tratados de livre comércio regionais ou bilaterais. O desafio dos debates internacionais sobre a cultura consiste pois em garantir a sobrevivência da diversidade cultural apesar dos perigos ligados à sociedade da informação. Em todo o caso, para os representantes dos povos autóctones, a evolução das sociedades da informação e da comunicação deve repousar sobre o respeito e a promoção dos direitos das populações nativas e de seu caráter distintivo, mesmo que a idéia de promoção ¬permaneça dificilmente aceitável para os partidários do livre comércio.
Para os defensores da promoção da diversidade cultural, no nível dos quais encontram-se o Canadá, a França, o Grupo dos 77 (o grupo dos países em desenvolvimento), trata-se-ia sobretudo de obter dos Estados Unidos a garantia, sancionada pelo direito, de que a Convenção não seja subordinada aos instrumentos comerciais internacionais. Efetivamente, para os Estados Unidos e os demais partidários do livre comércio, essa convenção é uma má idéia [3], e as medidas evocadas abaixo reabilitam pura e simplesmente uma visão intervencionista do Estado, que não tem por natureza favorecer o mercado. As subvenções para as empresas culturais, a imposição de cotas de difusão, as restrições à propriedade estrangeira das mídias seriam, segundo eles, exemplos de freios ao desenvolvimento natural do mercado. Além disso, mesmo que isso nada tenha de oficial, a convenção sobre a diversidade cultural parece para inúmeros norte-americanos como uma tentativa de enfraquecer a supremacia de suas indústrias audiovisuais por todo o mundo.
Visão ética da diversidade cultural
Situando-se no plano ético, a Declaração Universal da Unesco num a Diversidade Cultural, adotada em 2 de novembro de 2001 [4], reconhece a diversidade cultural como «patrimônio comum da humanidade». Assim, a luta para a proteção e a garantia das culturas ameaçadas transforma-se em dever de cidadania. Esta posição explica-se pelo fato de que a comunidade científica tomou consciência do risco da uniformização da cultura numa sociedade da informação mesmo que isso permita teoricamente a manifestação da diversidade cultural. Na verdade, as tecnologias da informação e da comunicação, longe de serem apenas ferramentas, modelam nossas formas de pensar e de criar. A cultura torna-se, por isso, habitada pela tecnologia, dialogando com ela, por vezes contendo-a, e deixando-se, frequentemente, elaborar por ela. Esta situação cria uma desigualdade e uma dependência da cultura voltada para a tecnologia e impede a manifestação da diversidade cultural tão necessária à sociedade do conhecimento [5]. Numerosos observadores afirmam portanto que a tecnologia deixou na sombra uma boa parte da população, excluiu que continua a viver conforme os princípios da natureza, aquela que não acredita no Estado, mas no poder dos ancestrais, aquela que não acredita na ciência mas no saber tradicional. A diversidade cultural inscreve-se assim numa lógica que considera que existem outras maneiras de pensar, de existir, de trabalhar, que não seja a maneira moderna, centralizada no homem e na razão. Realmente, se a ciência e a tecnologia são facilmente comunicáveis, serà que todas as culturas estão prontas para aceitar o formalismo matemático que se encontra à base da construção das tecnologias e de sua utilização? No contexto do debate sobre a edificação da «sociedade da informação», esta adaptação passa, bem entendido, pela diversificação dos conteúdos, ou seja, a coabitação dos conteúdos ditos clássicos e aqueles que se originam de culturas minoritárias, de saberes locais e autóctones [6]. Mas como integrar as culturas e os saberes autóctones sem generalizá-los, nem particularizá-los [7]? Como validá-los com a ajuda de critérios exógenos?
A declaração de princípios da CMSI, adotada em Genebra em dezembro de 2003, insiste no fato que «os aplicativos devem ser informais e simples, acessíveis a todos, abordáveis, adaptados às necessidades locais em termos de culturas e de idiomas, e facilitar o desenvolvimento sustentàvel». É por isso que convém pensar o ciberespaço de outra forma, de modo a permitir que todos acessem a Internet em seu próprio idioma, pensar em usos diferentes, especificos a todas as populações, notadamente aquelas que funcionam de acordo com o modelo comunitário. Essa tomada de consciência dará origem à produção de aparelhos e de estruturas adaptados, um posicionamento estratégico que não pode ser atingido sem o desenvolvimento de indústrias culturais locais e a implementação de modelos realizar-se a diferentes contextos socioeconômicos. Mas esta expressão das culturas inscreve-se em uma relação de força que convém modular. Para a Rede Internacional para a Diversidade Cultural [8], trata-se antes de mais nada de introduzir na Convenção «medidas eficazes que permitam aos países em desenvolvimento de se dotarem de ferramentas eficazes de produção e de difusão».
Em direção a uma nova abordagem da diversidade cultural
Se a diversidade cultural é compreendida, em geral, fundamentando-se essencialmente em distinções binárias: cultura moderna/cultura local, a realidade da diversidade cultura não é binária, mas decorre do respeito e da aceitação das diferenças, do diálogo e da pesquisa dos valores comuns para deixar o «monologismo» que caracteriza a sociedade da informação. A Declaração independente da sociedade civil na CMSI de Genebra em 2003 menciona alias, de qualquer forma com relação a isso, que cada cultura possui uma dignidade e um valor que devem ser respeitados e preservados [9]. Neste novo contexto, a diversidade torna-se uma maneira de abordar a estruturação de nossa vida em comum, portanto fundamentada na é a aceitação de uma visão pluralista do mundo [10]. Observa-se, assim, que a diversidade cultural é percebida como a integração e não a superposição ou justaposição de culturas e que a sociedade da informação na qual ela se exprime é, antes de mais nada, uma sociedade de conhecimentos compartilhados.
Com eifeito, a noção de diversidade cultural remete a duas realidades bastante distintas. Há, inicialmente, uma primeira concepção centralizada nas nas artes e letras, que remete à expressão cultural de uma comunidade ou de um grupo e que engloba a criação cultural sob todas essas formas. Há, em seguida, os modos de vida, os direitos fundamentais da pessoa humana, os sistemas de valores, tradições crenças, que remetem à uma perspectiva mais sociológica e antropológica da cultura. Adote-se uma ou outra concepção, pode-se convir que o contexto social dominado pelas tecnologias da informação e da comunicação, necessite a implementação de medidas ao mesmo tempo incentivadoras e coercitivas, prevalecendo sobre os acordos da Organização Mundial do Comércio. Assim, os debates atuais chegam a exigir que os países desenvolvidos se comprometam a aumentar a parte do mercado nacional que eles consagram aos profissionais, artistas e outros profissionais da criaçao dos países em desenvolvimento. Mas esta proposta, que lembra muito os debates sobre a Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação a respeito do reequilíbrio dos fluxos, suscita, evidentemente, a oposição dos Estados que possuem grandes indústrias culturais. No entanto, a questão colocada aqui encontra-se à base da edificação de uma sociedade da informação acessível a todos. http://vecam.org
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