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Alvin Toffler e o choque do futuro

ENTREVISTA FALANDO SOBRE O BIG BROTHER
O autor de O Choque do Futuro diz que a tendência é sermos vigiados o tempo todo por câmeras digitais.

Entrevista a VEJA : Alvin Toffler por Rosa Zakabi

Veja – As mudanças globais provocadas pelo ataque ao World Trade Center arruinaram as previsões de muitos futurólogos. O ataque era imprevisível?
Alvin Toffler – Os ataques realmente mudaram o mundo, mas não eram imprevisíveis. Em meus livros lançados há trinta anos, eu já falava sobre o possível crescimento do terrorismo e suas conseqüências para o mundo. Em um deles, apontava o World Trade Center como um dos pontos mais suscetíveis a ataques terroristas. Mas previa um tipo de atentado diferente, não por aviões, e sim um ataque eletrônico, com bombas acionadas por meio de computadores ou algo assim. Não era o único que acreditava nisso. Muitos consultores e especialistas já indicavam essa tendência, mas ninguém levava a sério. Ninguém imaginava que a situação poderia chegar a esse extremo.
Veja – Por que o terrorismo não recorre a armas de maior sofisticação tecnológica?
Toffler – Por mais que ocorram ataques sem uso de tecnologia sofisticada, foram os avanços da tecnologia que contribuíram para o crescimento do terrorismo. Ao mesmo tempo que esses avanços contribuem para o desenvolvimento da economia e da sociedade, também podem ser usados com propósitos criminosos e violentos e, assim, pôr tudo a perder. A tecnologia deu novo incentivo à produção de armas. O problema não é o fato de estarmos produzindo armas mais poderosas, e sim que elas estão cada vez mais baratas e acessíveis. Hoje, armas sofisticadas podem cair nas mãos de qualquer um e se tornar uma ameaça à sociedade. Isso vale não apenas para grupos extremistas, mas também para psicopatas como o americano Timothy McVeigh, que explodiu um prédio e matou mais de 100 pessoas em Oklahoma.
Veja – O senhor acha que o terrorismo será um fator determinante no modo como viveremos no futuro?
Toffler – Vários países, não apenas os Estados Unidos, terão cada vez mais dificuldades em conciliar segurança com liberdade. Com o objetivo de prevenir ataques terroristas, o governo americano precisará ter mais informações de como as pessoas se comportam, quem está fazendo o quê, quem está entrando onde, quem está freqüentando aulas de vôo na Flórida, e assim por diante. A necessidade de fazer isso põe em risco certas liberdades civis que sempre foram colocadas em primeiro lugar nos Estados Unidos e em muitos países. A tendência é que as pessoas tenham cada vez menos liberdade de ir e vir sem ser vigiadas.
Veja – Como as pessoas serão vigiadas?
Toffler – Por meio de câmeras digitais, um dos grandes avanços dos anos 90. Os preços foram baixando e hoje qualquer pessoa pode ter uma. Elas já substituem o guarda de trânsito nas ruas e avenidas. Se você ultrapassar o limite de velocidade, não é o policial que vai pará-lo. É a câmera que tira uma foto da placa de seu carro e depois a multa chega a sua casa automaticamente. A tendência é aumentar ainda mais o uso desse equipamento no futuro. Surgirão modelos cada vez menores, mais baratos e mais potentes. Nós vamos criar uma sociedade investigativa.
Veja – Uma sociedade investigativa?
Toffler – Exatamente. No fim dos anos 40, quando o escritor inglês George Orwell criou o personagem Big Brother (O Grande Irmão, em inglês) no livro 1984, ninguém imaginava que pudesse existir na realidade um governo capaz de monitorar todo mundo com o uso de câmeras. Não só isso está acontecendo hoje, como em um futuro próximo homens e mulheres precisarão se preocupar não apenas com o governo observando todos os seus passos, mas também com o que eu chamo de Big Uncle (O Grande Tio, em inglês). Ou seja, as grandes corporações coletarão as imagens e as conversas da população com objetivos de marketing. E passarão a vender as informações entre elas.
Veja – Isso quer dizer que seremos observados sem saber que estamos sendo vigiados?
Toffler – Sim, isso fará parte do nosso dia-a-dia. As empresas vão observar o que fazemos no supermercado, nas lojas, checando absolutamente tudo: nosso comportamento nos corredores, em frente às prateleiras, tudo o que perguntamos aos vendedores, comentamos com nossa mulher, marido ou filhos. O objetivo será saber mais sobre o consumidor e lhe servir melhor, reduzir os custos com testes e pesquisas de opinião e obter lucros vendendo as informações no mercado.
Veja – Se o senhor pudesse, o que mudaria nas previsões feitas em seus livros?
Toffler – Manteria os temas centrais exatamente do mesmo jeito. Em O Choque do Futuro, eu disse que as mudanças passariam a acontecer de forma acelerada. E que as pessoas e as instituições teriam dificuldades em lidar com essa rapidez. Todos se sentiriam obrigados a ter respostas imediatas, ficariam confusos na hora de tomar decisões e sofreriam muito por causa disso. Isso está absolutamente correto. Mas eu mudaria alguns detalhes. Vários exemplos que usei para ilustrar meu ponto de vista não se tornaram realidade.
Veja – O que não aconteceu?
Toffler – Eu escrevi que quando tudo começasse a mudar de modo acelerado muitas coisas se tornariam temporárias. Isso está correto. Nós temos produtos descartáveis, idéias descartáveis. Periodicamente, somos levados a jogar fora estruturas empresariais inteiras. Somos obrigados a jogar amigos fora. Escrevi que teríamos roupas descartáveis, feitas de papel. Não precisariam ser lavadas, pois seriam descartadas depois de usadas. Bem, isso não aconteceu. Eu também mudaria o que disse sobre clones.
Veja – Por quê?
Toffler – Em 1970, ou seja, trinta anos antes de sair qualquer publicação científica sobre a clonagem, eu disse que iríamos clonar animais. Também disse que iríamos clonar humanos. Acredito que isso vá acontecer um dia. Meu erro foi apenas temporal. Pensei que a clonagem iria ocorrer em 1985, mas demorou bem mais.
Veja – Em que área científica o senhor prevê mudanças mais radicais no futuro próximo?
Toffler – Analisando as tecnologias que estão sendo desenvolvidas nesse exato momento, posso dizer que os maiores avanços serão no setor agrícola.
Veja – Como será esse processo?
Toffler – A agricultura do futuro não terá como prioridade aumentar a quantidade de alimentos, e sim a criação de tecnologias para melhorar a qualidade da produção agrícola. Com os avanços nos estudos da genética, seremos capazes de criar produtos cada vez mais resistentes e de custo mais baixo. A China e a Índia, que têm as maiores populações do mundo, grande parte delas vivendo em áreas rurais, estão investindo pesado em tecnologia agrícola. Com esses avanços, acredito que será possível erradicar a miséria em muitos países em algumas décadas. É claro que essa é ainda uma idéia utópica, pois não é possível fazer isso com as condições atuais de trabalho nas áreas rurais. Será preciso investir mais na educação para que esses avanços realmente aconteçam.
Veja – Os alimentos transgênicos são o resultado de avanços tecnológicos, mas enfrentam grande resistência dos ambientalistas. Por que é assim?
Toffler – Ironicamente, as ONGs, que sempre se mostraram preocupadas em combater a pobreza global e a fome, hoje são as mais interessadas em atacar a produção de transgênicos. Na Europa há ONGs tentando bloquear a importação de alimentos transgênicos de países pobres da África. Com o boicote, esses países foram forçados a diminuir a produção de alimentos. Veja que tudo isso ocorre sem que haja evidências de que os transgênicos trazem riscos para a saúde. Milhões de pessoas já ingeriram esse tipo de alimento e não há comprovação alguma de que tiveram a saúde prejudicada.
Veja – Quais são as conseqüências da batalha contra a pesquisa genética na produção de alimentos?
Toffler – As campanhas promovidas por esses grupos e pela mídia sensacionalista causam pânico desnecessário. Com essa atitude, obrigam os países e as empresas a reduzir a produtividade e a usar métodos primitivos na agricultura. Ou seja, a frear o desenvolvimento econômico e tecnológico. Apesar disso, eu tenho uma visão otimista no quadro geral. Os países do Primeiro Mundo estão investindo bastante em tecnologia e pesquisas de transgênicos. Acredito que aos poucos os alimentos geneticamente modificados começarão a ser aceitos pela sociedade e em um futuro próximo farão parte do dia-a-dia de todas as pessoas.
Veja – As pesquisas espaciais, que tanto furor causavam há trinta anos, hoje despertam pouca atenção. O senhor acha que um dia conquistaremos o espaço?
Toffler – Nós colonizaremos outros planetas ou outros corpos celestes. No futuro, vamos encontrar mecanismos que possam tornar possível essa empreitada. Hoje ainda é inviável e não deve ocorrer em vinte ou trinta anos. Mas vai acontecer.
Veja – O que faz o senhor ter tanta certeza disso?
Toffler – Minha mulher, Heidi, e eu acompanhamos há anos o trabalho de um grupo de cientistas da Nasa. Eles querem saber se os humanos podem viver no espaço. O objetivo é descobrir se há possibilidade de as células permanecerem saudáveis num ambiente sem gravidade. Ou seja, teoricamente, se suas células fossem modificadas, o homem poderia sobreviver bem nesse tipo de ambiente. Os estudos ainda estão em fase inicial, mas já indicam que a conquista do espaço é um sonho possível.
Veja – O senhor previu que a tecnologia causaria mudanças drásticas na família. A estrutura familiar realmente sofreu alterações nas últimas décadas, mas o que a tecnologia tem a ver com isso?
Toffler – As novas tecnologias nunca vêm sozinhas. É um pacote: mudanças tecnológicas, seguidas de mudanças sociais, políticas e culturais. Nos Estados Unidos, esse conjunto de mudanças nas últimas décadas significou um novo modo de vida. A força de trabalho que gerava riqueza passou do uso do bíceps para o uso do cérebro. As pessoas depararam com um novo tipo de economia que mudou praticamente todos os valores da sociedade. Os computadores começaram a ser usados entre o fim da década de 50 e o início dos anos 60. As feministas logo perceberam que as novas tecnologias, que requeriam o uso do cérebro em vez do uso dos músculos, tornariam possível a ocupação de mulheres em postos de trabalho que antes eram prioridade dos homens. Isso realmente aconteceu. Quanto mais os computadores iam se expandindo, mais mulheres começavam a trabalhar. Isso afetou a estrutura familiar e a criação dos filhos.
Veja – Isso foi inesperado?
Toffler – Ninguém imaginava. Anos antes de O Choque do Futuro ser publicado, perguntei a vários especialistas qual seria o futuro da família. Naquela época, os pais iam ao trabalho, as mães ficavam em casa, e cada casal tinha dois filhos, em média. Esse modelo predominava em todas as cidades industriais. Os especialistas opinaram que nada iria acontecer à família, que o núcleo familiar já estava estabelecido e ninguém poderia mudá-lo. Eu duvidei. Não se pode mudar a tecnologia, o trabalho, a base econômica da sociedade sem esperar que também haja mudança na estrutura familiar. Uma coisa é conseqüência da outra. Hoje, a família tradicional é minoria, pois a maioria das mães sai para trabalhar em vez de ficar em casa tomando conta dos filhos 24 horas por dia. Essa foi a primeira mudança em massa.
Veja – O senhor acredita que haverá outras mudanças na vida da família?
Toffler – As mudanças que vemos hoje devem continuar acontecendo. As famílias continuarão menores que no passado, teremos pais solteiros, casais divorciados que se casam de novo duas, três vezes. A sociedade começa agora a aceitar o casamento de gays. O que nós vemos é uma diversificação da família. Nos últimos anos, os americanos começaram a questionar os efeitos dessas mudanças no desenvolvimento de seus filhos. Eles querem desacelerar o processo, mas eu não vejo como voltar atrás.
Veja – O movimento zen, que inclui filosofia, meditação, ioga e esoterismo, tem crescido nos últimos anos. É uma moda passageira ou veio para ficar?
Toffler – Eu acho que alguns detalhes específicos são apenas passageiros, mas há algo maior nisso tudo. O movimento zen é um profundo ataque às idéias e aos valores do iluminismo. O movimento iluminista, dos séculos XVII e XVIII, promoveu a ciência, o ceticismo e o conceito do progresso. Foi o oposto da religião. Naquele tempo, havia um grande abismo entre religião e ciência. A tendência é que as duas coisas se aproximem cada vez mais.
Veja – O que deve acontecer com as religiões?
Toffler – A característica das religiões é a mesma da família. Elas estão se diversificando graças ao acesso cada vez mais fácil à informação. Dentro da mesma religião haverá mais grupos distintos, com idéias e comportamentos diferentes um do outro, principalmente no catolicismo e no protestantismo. Aumentará a competição entre as religiões e os grupos lançarão campanhas de marketing para conquistar fiéis. Nós já vemos um pouco disso hoje, mas com certeza será mais freqüente no futuro.
http://veja.abril.com.br/151003/entrevista.html

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

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