Esfera Pública, Estado e sociedade civil
Renato Cancian
Disciplina: Sociologia
Ponto de partida
O professor deve sugerir aos alunos a leitura do texto "Jürgen Habermas - a teoria sociológica - O surgimento da esfera pública". A partir do texto, o professor deve contextualizar o surgimento do que Habermas denomina de "esfera burguesa", numa sequência de sete aulas, que podem ser sucedidas por uma avaliação.Objetivos
1) Introduzir o tema da Esfera Pública como subsídio para que os alunos compreendam a origem do público enquanto dimensão social que atua como instância mediadora entre o Estado e a sociedade.2) Numa segunda etapa, pretende-se avançar no sentido de problematizar o importante papel desempenhado pelos órgãos de comunicação social, como a imprensa e as diferentes mídias, para o desenvolvimento de uma sociedade democrática, sobretudo a partir da segunda metade do século 20.
Estratégia
1) Aula expositiva que visa trabalhar o conceito de Esfera Pública
De acordo com o texto mencionado acima, Habermas situa o surgimento da
esfera pública entre o final do século 18 e início do século 19, a
partir dos seguintes fatores:
a) historicamente, o surgimento da esfera pública restringiu-se aos
países da Europa Ocidental, onde a burguesia havia se transformado, ou
estava em vias de se transformar, em classe dominante.
b) o período coincide com a ascensão dos direitos de cidadania,
sobretudo aqueles associados com os direitos civis e políticos, que
garantiram liberdade cívica de participação, de expressão e de livre
associação.
c) a categoria sociológica chamada de "público" (em contraposição à
"esfera da vida privada") se forma como consequência direta das lutas
das classes burguesas contra o absolutismo em alguns países; e, em
outros, em prol do fortalecimento do governo constitucional (como é o
caso da Inglaterra, onde a classe burguesa já dominava o aparelho de
Estado). Em ambos os casos, o processo resultou na ampliação das
garantias constitucionais em torno dos direitos de cidadania e, no longo
prazo, na constituição do governo representativo (ou democrático).
2) Aula expositiva: dinâmica da formação da esfera pública burguesa
De acordo com o texto de Habermas, as associações voluntárias formaram
as bases do surgimento da esfera pública e, por conseguinte, dos
interesses propriamente públicos.
a) a vida gregária da burguesia do final do século 18, frequentadora
dos cafés, das livrarias, dos bares de elite, etc.; estimulou a criação
de uma série de associações voluntárias de caráter filantrópico,
educacional, artístico e recreativo, entre outras.
b) essas associações voluntárias eram livres da ingerência da
burocracia estatal e vieram a ser o sustentáculo de uma teia de relações
sociais organizadas, que serviram para formular demandas políticas de
interesse dessa classe social. Ou seja, a participação dos indivíduos
não se dava na condição de homens de negócio ou profissionais em suas
transações privadas, mas como sujeitos conscientes de pertencerem a um
determinado grupo social, que tinha aspirações e interesses coletivos.
c) a partir das interações sociais entre os membros da classe burguesa,
propiciadas pelas associações voluntárias, surgiram demandas,
tipicamente públicas, em prol de benfeitorias locais. Habermas sugere
que, em muitos países, as associações voluntárias burguesas fomentaram o
surgimento do "governo local" (ou municipalidade).
3) Aula expositiva: órgãos de imprensa, notícias, esfera pública e sociedade civil
De acordo com Habermas, o surgimento e o dinamismo da vida burguesa baseada na associabilidade foram acompanhados:
a) do desenvolvimento do capitalismo e, paralelamente, do
desenvolvimento dos órgãos de comunicação social, naquela época sob
predomínio da imprensa escrita.
b) os órgãos de comunicação propiciaram o estímulo à interação social
entre as esferas públicas burguesas. É por esse motivo que Habemas
estabelece uma homologia causal entre a movimentação de mercadorias, em
razão do desenvolvimento dos mercados capitalistas, e a movimentação das
notícias pelos órgãos de imprensa.
c) o dinamismo da vida burguesa baseada na associabilidade, aliado ao
dinamismo dos órgãos de comunicação, propiciou o surgimento de um espaço
alternativo de expressão da liberdade e de opiniões e formulações de
demandas políticas. No conjunto, esses processos deram origem à sociedade civil e, posteriormente, à chamada opinião pública, que se constituem em espaços ou esferas independentes do Estado.
4) Aula expositiva e participativa: esfera pública burguesa e conflito social
Todo o trabalho de pesquisa social de Habermas foi desenvolvido na
década de 1950 e sofreu inúmeras críticas a partir do momento em que
mais pesquisas sociais, com o mesmo enfoque, foram elaboradas. Algumas
críticas dirigidas à tese do autor podem ser apresentadas do seguinte
modo:
a) a esfera pública burguesa era restrita e impunha obstáculos à
integração de outros públicos (ou, seja, impedia o acesso de outras
classes sociais). O homem e o cidadão de bem eram identificados com os
indivíduos de posse; ou seja, os ricos.
b) a vida baseada na associabilidade e as associações voluntárias
burguesas eram espaços restritos às elites locais. Mas, além das
restrições de classe, havia restrições em torno das diferenças de gênero
(sexo). Os homens monopolizavam o espaço e a esfera pública que foi se
formando.
c) no transcurso do século 19, os conflitos sociais de tipo classista
se agravaram devido ao surgimento do proletariado, e isso deixou em
evidência que a esfera pública burguesa era um espaço social que servia
aos interesses políticos específicos de uma classe dominante que não
estava disposta a ampliar o acesso ao poder político, na direção da
integração das classes sociais subalternas.
5) Aula expositiva que retomará em linhas gerais o conceito habermasiano de Esfera Pública burguesa (ou liberal)
a) a esfera pública surgiu como decorrência da expansão da vida baseada
na associabilidade da classe burguesa. Ela define práticas sociais bem
específicas, que Habermas denomina de "comunicação racional" (ou ação
comunicativa), que se expressa no discurso democrático em espaços
específicos: as associações voluntárias (salões, cafés, livrarias, entre
outros espaços).
b) a esfera pública burguesa, também chamada de esfera pública liberal,
era um espaço de sociabilidade restrito ao público burguês, indivíduos
de posses que dispunham de formação educacional.
c) nos primórdios da ordem social moderna havia uma diferenciação
básica envolvendo as esferas do Estado e da vida privada. O surgimento
da esfera pública burguesa rompe com essa dicotomia tradicional ao
constituir uma nova instância formadora da sociedade civil. Surge,
então, a distinção Estado/sociedade civil.
d) a consolidação da esfera pública liberal levou a sociedade civil a
se contrapor ao poder político discricionário, abrindo caminho para a
democratização e constitucionalização do poder político estatal e também
governamental.
e) após a exposição, o professor deve permitir que os alunos tirem dúvidas.
6) Aula expositiva: a Esfera Pública liberal confronta outros públicos
a) o professor deve prosseguir com o tema. No texto de Habermas há
indicações sobre o surgimento de "novos públicos". Trata-se,
propriamente, do aparecimento, no transcurso do século 19, do
proletariado.
b) o avanço do movimento operário no cenário europeu politizou o
conflito social que radicava nas diferenças de classe social (burguesia versus
proletariado). Ao criar consciência de classe, o movimento operário
empenha-se na luta para se emancipar e esse processo faz surgir uma nova
esfera pública, que se contrapõe à esfera pública burguesa.
c) o período que vai do último quartel do século 19 até as primeiras
décadas do século 20 é marcado pela radicalização dos conflitos de
classes. A organização política do proletariado inaugura uma nova etapa
na luta pela ampliação dos direitos de cidadania e democratização do
poder político.
d) o professor deve atentar para o fato de que a polarização entre
capitalismo e socialismo é a característica principal desse período
histórico. Nesse contexto, não havia espaço nem condições políticas para
o surgimento de movimentos sociais de novos tipos, como os movimentos
de minorias raciais, étnicas, movimentos juvenis e movimentos
feministas, dos homossexuais, entre outros. Esses movimentos de novos
tipos só aparecerão na cena política no transcurso da segunda metade do
século 20.
e) após a exposição, o professor deve permitir que os alunos tirem dúvidas.
7) Aula expositiva: O avanço do Estado e a degeneração da Esfera Pública Liberal
a) o professor deve prosseguir salientando que o Estado liberal
europeu, que emerge pós Segunda Guerra Mundial, é um Estado
intervencionista. Para que os alunos entendam melhor essa questão o
professor pode indicar a leitura do texto complementar intitulado "Estado do bem-estar social - História e crise do welfare state".
Procedendo desse modo, será possível aos alunos compreenderem que a
sociedade de massa e os conflitos sociais dela decorrentes exigiram
interferências cada vez maiores do Estado na sociedade. Essa
interferência do Estado se dá na área econômica, com a regulação dos
mercados e o planejamento de longo prazo; e na área social, com a
ampliação dos serviços públicos (para assegurar os direitos sociais).
b) a progressiva intervenção estatal na economia e na área social vai
gerar um processo que Habermas denomina de mudança estrutural da esfera
pública, que também pode ser considerada como a degeneração da esfera
pública, devido ao desaparecimento da distinção entre Estado e
sociedade. A esfera pública perde sua base social de sustentação, pois o
Estado intervém na economia e na sociedade.
c) a degeneração da esfera pública é um processo que ocorre
paralelamente à regulação dos mercados e à implementação de políticas
públicas de caráter social por parte do Estado. Desse processo surgem
vínculos entre a burocracia estatal e os grupos sociais organizados. Os
grupos econômicos e os sindicatos trabalhistas mais influentes são
integrados na estrutura estatal.
d) para que os alunos compreendam melhor o entrelaçamento entre a
burocracia estatal e os grupos econômicos e sociais, basta o professor
mencionar o fato de que as tentativas, em alguns países europeus, de
desmonte do Estado de bem-estar fracassaram devido aos fortes e
complexos vínculos consolidados entre Estado e sociedade. A título de
comparação, embora o Brasil nunca tenha constituído um Estado de
bem-estar amplo e robusto, as fortes vinculações entre burocracia
estatal e grupos econômicos e sociais podem ser percebidas quando a
questão envolve os investimentos estatais na área de infra-estrutura e a
questão mais atual dos fundos de pensão.
e) Habermas reconhece o avanço, a ampliação e as conquistas da esfera
pública nas sociedades democráticas e de massa, mas registra que a
esfera pública perdeu sua função crítica, devido ao avanço do controle
social exercido pelo Estado em praticamente todas as áreas. Um dos
desdobramentos da degeneração da esfera pública fica evidenciado quando
levamos em consideração que a opinião pública sofre manipulações pelos
meios de comunicação de massa.
f) após a exposição, o professor deve permitir que os alunos tirem dúvidas.
f) após a exposição, o professor deve permitir que os alunos tirem dúvidas.
Sugestões para seminário e trabalho escrito
A sugestão é de que o professor problematize questões atuais, que façam
parte do debate político nacional e tenham relações com o tema geral
tratado nas aulas:
1) A crise financeira dos órgãos de imprensa e das mídias (jornais,
rádios e meios televisivos) e os pedidos de empréstimo ao governo Lula
geraram um caloroso debate em 2006 e 2007, em torno das consequências da
ajuda financeira do Estado para a independência dos meios de
comunicação. Neste caso, a ajuda financeira do Estado poderia interferir
nos princípios de autonomia e imparcialidade dos meios de comunicação
social?
2) Como os meios de comunicação de massa sustentam sua pretensa
independência - e a produção de um noticiário crítico - num contexto em
que tais meios de comunicação dependem dos setores privados (que
utilizam os serviços das empresas midiáticas para publicidade e
propaganda)?
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