Livro infantil tem nova técnica em braille
Coleção põe no mercado método diferente de impressão de livros para deficientes visuais, com desenhos em alto relevo, texturas e aromas
Cristiane Rogerio
Adélia acordou com fome. Mas é domingo, a mamãe e o papai estão dormindo. Adélia faz bastante barulho, para ver se eles acordam. Bate com o pé no chão e nada. Abre e fecha a porta e nada. Balança o chaveiro e nada. Qual o pai e a mãe de filho pequenos que não viveu essa situação? E como é bacana encontrar em um livro infantil uma história assim, simples e boa da família se identificar? Mas no livro Adélia Cozinheira, escrito por Lia Zat e com ilustrações de Luisa Weiss, há algo além de um bom roteiro: o livro foi idealizado e publicado por um novo método de impressão em braille que vai permitir a edição em grandes tiragens, e é adequada tanto para quem é totalmente cego, quanto para quem tem visão subnormal ou normal.
Tudo começou quando a escritora Lia Zatz conheceu um pai em uma livraria que procurava livros para sua filha deficiente visual. Lia começou a pesquisar o assunto no Brasil até que uma amiga em comum apresentou-a a designer gráfica Wanda Gomes, que também estudava o mesmo assunto. A coincidência aproximou as duas e em 2006 elas começaram os testes com o apoio técnico da Efeito Visual Serigrafia, uma gráfica de renome em São Paulo. “Esses testes eram sempre levados à apreciação das várias instituições, profissionais e educadores na área da deficiência visual. Em paralelo, fiz um curso de pós-graduação em design gráfico e os fundamentos teóricos me deram a segurança necessária para seguir em frente com o projeto de design e do sistema que batizamos de Braille.BR”, diz Wanda Gomes.
Adélia é o primeiro livro de uma coleção. Na história, a pequena Adélia vive momentos de autonomia em casa tentando preparar um café da manhã de surpresa para os pais. Além do texto em braille, a ilustração também permite à criança descobrir do que o texto está falando, com desenhos em alto relevo, texturas e aromas (dá para sentir o cheiro de xampu em uma das páginas!). O livro recebeu incentivo da IBM Brasil através da Lei Rouanet, Ministério da Cultura, e, por enquanto, será distribuído em escolas e bibliotecas que atendam deficientes visuais. Wanda conversou com CRESCER.
CRESCER: Como é o mercado de livros em braille pelo mundo?
Wanda Gomes: O sistema braille é um sistema de escrita e leitura tátil que muito pouco se alterou desde a sua aprovação oficial, em 1854, no que diz respeito aos processos de impressão. Os livros impressos aqui no Brasil e no mundo, seja através de processo manual, computadorizado ou estereotipia gravam os sinais através de perfuração ou melhor, de um repuxo que produz alto relevo de um lado e baixo relevo do outro lado da folha de papel.
CRESCER: E como é o mercado no Brasil?
WG: O mercado ainda é extremamente carente, há muito o que fazer. E pessoalmente, acredito que este livro não esgota de maneira alguma as possibilidades gráficas para a pessoa com deficiência visual, mas é a prova concreta da existência de uma área com grande potencial de trabalho para o design gráfico. Não tenho dúvida alguma de que através das ferramentas que o design nos oferece, podemos projetar materiais com a finalidade de alterar e democratizar significativamente os meios de acesso da pessoa com deficiência visual à cultura e à educação.
CRESCER: Qual o impacto desta tecnologia a partir de agora? O que vocês pretendem? Vão compartilhar essa tecnologia com outras editoras e ir atrás de bons títulos de literatura infantil no Brasil ou a ideia é criar somente novas histórias?
WG: Desejamos compartilhar, sim, e desejamos com esse projeto sensibilizar o mercado editorial, chamando a atenção para um nicho que é carente de produtos de qualidade. Esse sistema de impressão pode inclusive, ser aplicado sobre outros materiais além do papel.
CRESCER: Qual a principal diferença entre o modo que é feito livro em braille hoje e o que você idealizou?
WG: As três maiores diferenças entre o braille impresso de maneira convencional e o Braille.BR é, primeiramente, que este último não perfura o papel. Assim, o papel fica totalmente preservado e a impressão offset (impressão em tinta) também. A impressão do Braille.BR pode ser feita em ambos os lados da folha de papel. É impresso com um tipo de verniz totalmente transparente e isso dá um resultado final na impressão de altíssima qualidade, e os pontos da cela braille não atrapalham a leitura da pessoa que enxerga.
Outro fator é que os pontos da cela no Braille.BR não cedem com a pressão dos dedos como acontece no braille convencional. Assim, o Braille.BR confere ao livro uma vida útil muito mais longa do que o braille comum.
E ainda: o Braille.BR possibilita a combinação e utilização de texturas também com verniz e relevo. Com certeza, esse processo permite ao designer utilizar mais a sua criatividade no projeto de um livro ou outros materiais similares e oferecer ao deficiente visual informações muito mais ricas.
CRESCER: O livro será comercializado? Haverá algum tipo de ação social/educacional com ele?
WG: Essa primeira edição está sendo distribuída gratuitamente para entidades e bibliotecas públicas com acervo em braille. Algumas instituições educacionais do setor já nos procuraram com propostas de inclusão do livro em atividades de sala de aula.
Estamos já trabalhando na produção uma edição comercial para meados de 2011.
CRESCER: Quando teremos o próximo?
WG: Simultaneamente à segunda edição do Adélia Cozinheira, estamos trabalhando também na produção do segundo volume da coleção Adélia.
http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI201910-10536,00.html
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