A ESCRITA DO SURDO: RELAÇÃO TEXTO E CONCEPÇÃO
Luciana Aparecida Oliveira
É notório que o centro do ensino escolar fundamenta-se na aprendizagem e na compreensão da escrita e da leitura. Quando a criança chega à escola, já possui muitos conhecimentos acerca das regras gramaticais, porém passa a usar a língua num contexto diferenciado daquele natural e cotidiano, com o qual está familiarizada, ou seja, depara-se com uma linguagem nova, formal e padronizada, a fim de que possa escrever e compreender textos escritos (descontextualizar).
Partindo dessa constatação geral, deparo-me com a questão peculiar dos alunos com surdez (indivíduos com perda maior ou menor da percepção auditiva), que representam uma clientela específica, com aspectos que não podem ser desconsiderados.
Considerando que os indivíduos com surdez não acessam a informação escrita como as outras pessoas (dificuldades decorrentes da falta de audição), esclarecendo, inclusive, que mesmo os usuários de prótese não têm a audição como a de pessoas comuns, e muitas vezes escutam sons distorcidos ou diferentes de nossa realidade de ouvintes, percebemos que estes indivíduos apresentam uma grande resistência a escrita e a leitura de textos e informações escritas, em geral.
Diante dessa realidade, questiono sobre o que temos feito ou sobre o que podemos fazer, enquanto educadores, para reduzir a distância que existe entre a linguagem específica do aluno com surdez, baseada na LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais - a qual funciona como língua 1 para o mesmo, por apresentar um aprendizado natural e mais facilitado, e o Português, considerado língua 2 para este mesmo aluno; sabendo que as duas línguas possuem princípios e regras diferenciadas.
Devemos considerar, no entanto, que todos nós, surdos ou ouvintes, vivemos em uma sociedade que tem como base lingüística a língua materna dos falantes nativos do país (no caso do Brasil, o Português), e não a língua de sinais (realidade de um grupo minoritário).
Por não haver o feedback via audição, pelos surdos, torna-se muito difícil a compreensão do mecanismo do Português, nos moldes tradicionais da escola, principalmente para aqueles que possuem perda severa e profunda.
Constata- se, desta forma, através do uso de metodologias equivocadas, um expressivo fracasso escolar, por parte dos alunos com surdez.
Como um primeiro caminho para a busca de alternativas efetivas que os auxiliem na melhor estruturação de sua linguagem, se faz urgente a compreensão dos efeitos das concepções que orientaram e continuam a orientar, na maioria das escolas, a constituição da linguagem destes sujeitos.
É o que procuraremos tratar como tema principal deste trabalho, considerando que a educação de qualidade para todo e qualquer indivíduo é um direito, cuja responsabilidade para sua efetivação real cabe a cada um de nós.
De acordo com o BRASIL/MEC/SEESP (1994), é considerado surdo o indivíduo que possui audição não funcional na vida comum, e parcialmente surdo aquele que, mesmo com perda auditiva, possui audição funcional com ou sem prótese.
A deficiência auditiva pode ser congênita ou adquirida.
É congênita quando ocorre antes do nascimento ou, em alguns casos, durante o parto e adquirida quando ocorre após o nascimento.
O volume ou intensidade dos sons é medido por unidades chamadas decibéis (dB).
Podemos verificar, a partir da perda auditiva em decibéis, a existência de diferentes graus de surdez. Do ponto de vista educacional, considera-se dois grupos específicos que se subdividem, conforme descrito a seguir.
O grupo dos parcialmente surdos engloba os sujeitos com surdez leve e os com surdez moderada.
O aluno com surdez leve apresenta uma perda auditiva de até 40 dB. Essa perda impede a percepção perfeita de todos os fonemas da palavra, mas não impede a aquisição normal da linguagem. Pode, no entanto, causar algum problema articulatório ou dificuldade na leitura e/ou escrita.
O aluno com surdez moderada apresenta perda auditiva entre 40 e 70 dB. Esses limites se encontram no nível da percepção da palavra, sendo necessário uma voz de certa intensidade para que seja claramente percebida. Esse aluno apresenta maior dificuldade de discriminação auditiva em ambientes ruidosos. Ele identifica as palavras mais significativas, mas tem dificuldade na compreensão de certos termos de relação e/ou frases gramaticais complexas.
O grupo dos surdos abrange os sujeitos com surdez severa e os com surdez profunda.
O aluno com surdez severa apresenta uma perda auditiva entre 70 e 90 dB. Essa perda permite a identificação de alguns ruídos familiares e apenas a percepção da voz de timbre mais forte. A compreensão verbal vai depender da utilização da percepção visual e da observação do contexto das situações.
O aluno com surdez profunda apresenta perda auditiva superior a 90 dB. Essa perda é muito grave e pode privar o indivíduo da percepção e identificação da voz humana, impedindo-o de adquirir naturalmente a linguagem oral.
Os conhecimentos lingüísticos desses indivíduos (especificamente dos sujeitos com surdez profunda) podem apresentar sérias deficiências no que se refere ao domínio de suas estruturas, sobretudo na produção escrita, caso não sejam mediados adequadamente.
Segundo Fernandes (1990) essas dificuldades podem ser demonstradas por dificuldades com o léxico, falta de consciência de processos de formação de palavras, desconhecimento da contração de preposição com o artigo; uso inadequado dos verbos em suas conjugações, tempos e modos, uso inadequado das preposições, omissão de conectivos em geral e de verbos de ligação, troca do verbo ser por estar, uso indevido dos verbos estar e ter, colocação inadequada do advérbio na frase, falta de domínio e uso restrito de outras estruturas de subordinação.
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