Francis Ponge
Sem
dúvida não sou muito inteligente: em todo caso as idéias não são o meu
forte. Sempre fui iludido por elas. As opiniões mais bem
fundamentadas, os sistemas filosóficos mais harmoniosos (os mais bem
constituídos) sempre me pareceram absolutamente frágeis, me provocaram
uma certa repugnância, vazio na alma, uma penosa sensação de
inconsistencia. Não me sinto de modo algum seguro das proposições que
lanço durante uma discussão. As que me são opostas parecem-me quase
sempre igualmente válidas; digamos, para sermos exatos: nem mais nem
menos válidas. Posso ser convencido, desarmado com facilidade. E
quando digo que posso ser convencido: trata-se, senão de alguma
verdade, pelo menos da fragilidade de minha própria opinião. Além do
mais, o valor das idéias parece-me na maioria dos casos em razão
inversa ao ardor empregado para expô-las. O tom da convicção (e mesma
da sinceridade) é adotado, assim me parece, tanto para convencer-se a
si mesmo quanto para convencer o interlocutor, e mais ainda talvez para
“substituir” a convicção. De qualquer modo, para substituir a verdade
ausente das proposições emitidas. Eis o que sinto de modo bem forte.
Assim, as idéias como tal parecem-me aquilo de que sou menos capaz, e
não me interessam mesmo. Vocês me dirão sem dúvida que aqui há uma
idéia (uma opinião)… mas: as idéias, as opiniões me parecem dirigidas
em cada um de nós por algo que não o livre-arbítrio ou o juízo. Nada me
parece mas subjetivo, mais epifenomenal.
Não compreendo muito que as pessoas se jactem delas. Eu acharia
insuportável que se pretendesse impô-las. Querer apresentar sua opinião
como válida objetivamente, ou em termos absolutos, parece-me tão
absurdo quanto afirmar por exemplo que os cabelos louros cacheados são
mais “verdadeiros” que os cabelos pretos lisos, o canto do rouxinol
mais perto da verdade que o relincho do cavalo. (Em compensação sou
bastante propenso à formulação e talvez tenha algum dom para ela. “Eis o
que você quer dizer…” e em geral obtenho daquele que falava a
concordância com a fórmula que lhe proponho. Este é um dom de escritor?
Talvez.)
Caso um pouco diferente é o do que chamarei de constatacões; digamos,
se preferirem, as idéias experimentais. Sempre me pareceu desejável que
houvesse um entendimento, senão quanto às opiniões, pelo menos quanto a
fatos bem determinados, e se isso ainda parece muito pretensioso, pelo
menos quanto a algumas definições sólidas.
Talvez fosse natural que com tais disposições (desgosto pelas idéias,
gosto pelas definições) eu me dedicasse ao recenseamento e à definição
em primeiro lugar dos objetos do mundo exterior e entre eles daqueles
que constituem o universo familiar dos homens de nossa sociedade, em
nossa época. E por quê, me objetarão, recomeçar o que foi feito em
várias oportunidades e bem estabelecido nos dicionários e
enciclopédias? Mas, responderei, por que e como é que existem vários
dicionários e enciclopédias na mesma língua na mesma época e que suas
definições dos mesmos objetos não são Idênticas? Sobretudo, como é que
no caso parece estar mais em questão a definição das palavras que a
definição de coisas? Por que posso ter essa impressão, para dizer a
verdade bastante extravagante? Por que essa diferença, essa margem
inconcebível entre a definição de uma palavra e a descrição da coisa
que essa palavra designa?
Por que as definições dos dicionários nos parecem tão lamentavelmente
desprovidas de concreto e as descrições (dos romances ou poemas, por
exemplo) tão incompletas (ou muito particulares e detalhadas, ao
contrário), tão arbitrárias, tão temerárias? Não poderíamos imaginar
uma espécie de escritos (novos) que, situando-se mais ou menos entre os
dois gêneros (definição e descrição), tomariam emprestados do
primeiro sua infalibilidade, sua indubitabilidade, sua brevidade
também, do segundo seu respeito pelo aspecto sensorial das coisas…