Equipe
multiprofissional
Cid Velloso
O crescimento
exponencial do conhecimento criou novas necessidades no mundo do trabalho.
Na Antigüidade, sábios
eram, ao mesmo tempo, filósofos, matemáticos, astrônomos, engenheiros,
artistas, escritores etc.
Na área da saúde, até a
primeira metade do século passado, cerca de quatro profissionais formalmente
habilitados dominavam todo o conhecimento e exerciam todas as ações do setor.
Nos tempos atuais, é
totalmente impossível que apenas alguns profissionais exerçam, com toda
eficiência necessária, o conjunto amplo e complexo das ações de saúde.
Temos, atualmente, 14
profissões de nível superior, reconhecidas pelo Conselho Nacional de Saúde como
da área de saúde: Biomedicina, Biologia, Educação Física, Enfermagem, Farmácia,
Fisioterapia, Fonoaudióloga, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia,
Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional.
Temos, ainda, inúmeras
profissões formais de nível médio que participam ativamente da atenção à saúde.
As necessidades demandadas de saúde e o
crescente desenvolvimento científico e tecnológico produziram estratégias e
mecanismos para efetivar o trabalho em equipe, com qualidade e eficiência.
É compreensível, dentro das características
contraditórias do ser humano, que o aumento de profissões e essa tentativa de
criar o trabalho em equipe tenham criado polêmica, competição e disputa por
espaço e poder.
A história da humanidade
revela, entretanto, que existe sempre a possibilidade de se encontrar caminhos
criativos e construtivos para equacionar problemas complexos, como o trabalho
em equipe, que exige uma especificidade de cada profissional e áreas comuns
sustentadas em práticas e saberes do domínio de todos.
A equipe
multiprofissional é, hoje, uma realidade insofismável e necessária em todos os
espaços onde se praticam ações que visam melhorar a qualidade de saúde e de
vida das populações.
A questão é como fazê-la
funcionar de modo homogêneo, democrático, agregador e cooperativo.
Para o trabalho da
equipe, três fatores devem ser abordados: capacitação profissional, a interface
do trabalho dos profissionais e a autonomia dos profissionais.
A capacitação
profissional está diretamente relacionada com a formação acadêmica, com a
qualidade das instituições de ensino, com os projetos político-pedagógicos dos
cursos e com o controle social que deve ser exercido sobre os profis¬sionais.
Para esse último item,
os Conselhos profissionais deveriam ter significativa participação da população,
em analogia ao que ocorre nos conselhos municipais, estaduais e federal de
saúde.
Com muita freqüência,
alguns profissionais, criticando a atividade de outros, citam casos de erros
graves come-tidos por falta de entrosamento das ações: o usuário é tratado de
deter-minada maneira, perdendo tempo ou recebendo tratamento prejudicial,
porque havia outro diagnóstico que deveria ser conduzido por outro profissional,
que não foi consultado.
A capacitação
profissional, portanto, da equipe, que
deve estabelecer protocolos de trabalho conjunto, não sendo cabível criar leis
para definir verticalmente essa interface.
A autonomia dos profissionais
parece-me ser o ponto crucial da polêmica do trabalho em equipe. Cada um dos 14
profissionais de Saúde deve ter absoluta autonomia de trabalho naquilo que é
claramente de sua área de competência, não podendo um ser tutorado ou comandado
pelo outro.
Com o trabalho de
equipe, o conjunto dos profissionais deve estabelecer o fluxo e a inter-relação
das ações. Ainda é uma prática inadequada nos planos de saúde e no próprio
Sistema Único de Saúde a obrigatoriedade do encaminhamento de usuários de um
profissional para outro.
Se é legítimo que um
profissional, necessitando da atuação do outro, encaminhe usuários (informando
apenas dados clínicos, ainda, uma lei específica sobre sua atividade
profissional, existindo um Decreto governamental de 1932 que regulamentou
várias profissões de saúde, incluindo o médico.
Nada mais correto,
portanto, que os mé¬dicos lutem pela criação de uma lei específica para sua
profissão.
A Lei do Ato Médico,
entretanto, está incorrendo em dois problemas que têm provocado celeuma e reação
no País.
Em primeiro lugar, foi
trazida em uma época inoportuna e tardia. Quando estão avançadas as discussões,
acordos e práticas para o funcionamento das equipes multiprofissionais, os
termos do Projeto levantam pontos polêmicos que bloqueiam os progressos que têm
sido obtidos.
Em segundo lugar, o
Parágrafo único do Artigo 1º. criou um impasse quase intransponível na relação
entre os profissionais de Saúde. O dispositivo diz que é
fator essencial para uma atenção adequada da equipe de saúde.
A
interface do trabalho dos profissionais é um tema complexo e difícil de
equacionar. Pode-se dizer, de maneira simplificada, que as áreas de
competências de cada profissional são claras na grande maioria dos
procedimentos e não há disputa em torno dessas.
Há áreas de competências, entretanto, que são
comuns a várias profissões, algumas que são complementares, algumas que são
imbricadas e algumas que são de difícil especificação.
O que vai regulamentar e estabelecer rotinas
de trabalho é o debate democrático sem estabelecer como será a atuação do outro,
isso não pode ser uma prática obrigatória.
Todos profissionais podem, em
grande número de casos, atenderem integralmente usuários que não foram
encaminhados por outros.
Perpassando por esse complexo tema
do trabalho em equipe, está em tramitação no Congresso Nacional a chamada Lei
do Ato Médico (PL do Senado no. 25 de 2002).
Todos os profissionais de saúde
brasileiros já possuem leis que regulamentam o exercício de sua profissão, a
maioria promulgada na década de 60 e 80.
Os médicos não possuem, “são atos
privativos de médico a formulação do diagnóstico médico e a prescrição
terapêutica das doenças”.
Por um lado, é óbvio que a formulação
do diagnóstico médico é privativa ao médico, mas é absoluta-mente difícil de
demarcar os limites desse diagnóstico.
Além
disso, é rotina nas Práticas dos Serviços de Saúde, os profissionais
não-médicos darem subsídios importantes para esse diagnóstico e, às vezes, até
sugerir o diagnóstico da doença, embora a responsabilidade do diagnóstico
médico seja deste profissional.
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