10 erros mais comuns nas festas escolares
Aulas perdidas, desrespeito à diversidade cultural e à liberdade religiosa... Saiba como evitar esses e outros equívocos.
Durante o
ano, temos 11 feriados nacionais - na média de um a cada cinco semanas
-, um monte de datas para lembrar pessoas (Dia das Mães, dos Pais, das
Crianças, do Índio) e fatos históricos (Descobrimento do Brasil,
Proclamação da República). Sem contar os acontecimentos de importância
regional. Nada contra eles. O problema é que muitas vezes a escola usa o
precioso tempo das aulas para organizar comemorações relacionadas a
essas efemérides. O aluno é levado a executar tarefas que raramente têm
relação com o currículo. Muitos professores acreditam que estão
ensinando alguma coisa sobre a questão indígena no Brasil só porque
pedem que a turma venha de cocar no dia 19 de abril - o que, obviamente,
não funciona do ponto de vista pedagógico.
Festas são
bem-vindas na escola, mas com o simples - e importante - propósito de
ser um momento de recreação ou de finalização de um projeto didático. É a
oportunidade de compartilhar com os colegas e com os familiares o que
os alunos aprenderam (leia mais no quadro abaixo). No entanto, não é
isso que se vê por aí. A seguir, os dez principais equívocos dos eventos
escolares.
1. Usar as datas festivas como base para o currículo
Essa
palavra estranha tem origem na astronomia e dá nome a uma tabela que
informa a posição de um astro em intervalos de tempo regularmente
espaçados. No popular, o termo é usado no plural e significa a seqüência
de datas lembradas anualmente. Algumas têm dia fixo (Independência,
Bandeira); outras, não (Carnaval, Dia das Mães). Até aí, nada de mais. O
problema é quando a escola usa tudo isso como base para montar o
currículo. "Planejar o ano letivo seguindo efemérides desfavorece a
ampliação de conhecimentos sobre fatos e conceitos", afirma Marília
Novaes, psicóloga e uma das coordenadoras do programa Escola que Vale,
de São Paulo. Exemplo? Dia do Índio. A lembrança não envolve estudos
sobre as questões social, histórica e cultural das nações indígenas
brasileiras. Para haver aprendizagem, é preciso muita pesquisa e mais do
que um dia festivo. Outro caso? Folclore. A escola é invadida por
cucas, sacis e caiporas em agosto, já que o dia 22 é dedicado a ele por
decreto. Ora, se o planejamento prevê o uso de parlendas e trava-línguas
durante o processo de alfabetização e de estruturas narrativas, no
ensino de Língua Portuguesa, que tragam informações sobre tradições,
crenças e elementos da cultura popular, isso basta para que o tema seja
tratado em qualquer época. Sem contar os tópicos cuja expressividade é
questionável (Semana da Primavera) ou controversa, como o Dia dos Pais e
o das Mães: "Enfatizar datas comerciais como essas é ignorar as
mudanças no perfil da família brasileira, que nem sempre conta com as
duas figuras em casa", completa a psicóloga.
2. Desrespeitar a liberdade religiosa
Dos 11
feriados nacionais, cinco têm origem no catolicismo (Páscoa, Corpus
Christi, Nossa Senhora Aparecida, Finados e Natal). As escolas que
seguem essa religião lembram as datas. O problema é que as escolas
públicas também. Segundo a Constituição da República, o Brasil é um
Estado laico, ou seja, sem religião oficial. Porém, em quase todas as
unidades de ensino há algum tipo de comemoração: as crianças da Educação
Infantil (não importa se têm ou não religião) se fantasiam de coelhinho
e pintam ovos em papel mimeografado. No fim do ano, uma árvore de
Natal, com bolas e luzes, é montada na recepção ou no pátio. Segundo o
censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística nos
anos 1990, a maioria da população brasileira (73%) é católica. Mas uma
escola inclusiva não esquece que os filhos dos 15% de evangélicos e dos
12% de seguidores de outros cultos ou não pertencentes a um deles também
estão na sala de aula, certo? Para Renata Violante, consultora
pedagógica do Instituto Sangari, em São Paulo, os educadores não podem
dar a entender que uma religião é superior a outra (quais são mesmo as
datas importantes para espíritas, judeus, budistas, islâmicos e tantos
outros?). Existem espaços próprios para cultos. Definitivamente, a
escola não é um deles. As festas juninas são um caso à parte: elas se
tornaram uma instituição e perderam o vínculo religioso. O enfoque
folclórico, resgatando alguns hábitos e brincadeiras e a culinária do
homem do campo, tornaas mais democráticas.
3. Confundir o currículo e o tema da festa
A festa
não ter relação com o currículo é um problema. Mas outro tão grave
quanto é usá-la como pretexto para ensinar. "Já que temos de fazer
bandeirinhas para enfeitar barraquinhas, então vamos aproveitar para
ensinar geometria", pensam alguns professores bem-intencionados,
esquecendo que um ensino eficiente requer planejamento, avaliação
inicial e contínua e uma seqüência lógica que leve à construção do
conhecimento. É como se, de repente, estimar a quantidade de pipocas no
saquinho virasse conteúdo de Matemática.
4. Subaproveitar as aulas de Arte
Não raro, o
espaço que seria utilizado para essa disciplina é convertido em oficina
de enfeites. Para colocar o aluno em situação de aprendizagem, é papel
do professor de Arte propor atividades que favoreçam o percurso criador.
"A subjetividade não pode ser ofuscada pelo sentido objetivo e
funcional do ornamento, com caráter unicamente estético", afirma José
Cavalhero, coordenador pedagógico do Instituto Rodrigo Mendes, em São
Paulo. Na confecção de bandeirinhas, por exemplo, as crianças são
orientadas a seguir um modelo preestabelecido sem dar espaço a suas
marcas pessoais nem enfatizá-las. O modelo, que serviria apenas como
referência para a elaboração de outras possibilidades, vira matriz para
cópias - e a arte é um procedimento mais abrangente do que isso. A
produção do estudante deve ter um propósito maior do que atender à
expectativa do professor. "Caso a ocupação do ambiente festivo seja
encarada como uma instalação ou intervenção artística, aí, sim, o aluno
aprende em Arte", afirma Cavalhero.
5. Estereotipar os personagens
Caipira
com dente preto e roupas remendadas em junho, cocares e instrumentos de
percussão em meados de abril. Esses estereótipos não correspondem à
realidade. Homens e mulheres que moram no interior não se vestem dessa
maneira, e os índios brasileiros vivem em contextos bem diferentes. "É
inconcebível se divertir com base em elementos que remetem à humilhação e
à ridicularização do outro", diz Mario Sérgio Cortella, filósofo da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em sua opinião, essas
práticas destoam da intenção educativa acolhedora e pluralista, pois,
toda vez que se trata o outro com estranhamento, se promove a idéia de
que há humanos que valem mais e outros, menos. "Quadrilha, sim, mas sem
maquiagem nem fantasias grotescas que humilhem o homem do campo",
completa Cortella.
6. Obrigar todos a participar
"Professora,
não quero dançar", diz um. "Tenho vergonha de falar na frente de todo
mundo", avisa outro. Quem já não ouviu essas frases dias antes de um
evento escolar? Quando a festa nada tem a ver com a aprendizagem, os
alunos não são obrigados a participar. Nesses casos, é proibido causar
qualquer tipo de constrangimento a eles. Cabe ao professor colocar pouca
ênfase nos momentos não relacionados ao aprendizado. "Imagine o que uma
criança sente quando é colocada à força no meio da quadrilha. É uma
atitude desrespeitosa com os sentimentos e a individualidade dela",
afirma Maria Maura Barbosa, do Centro de ocumentação para a Ação
(Cedac), de Paraupebas, a 700 q uilômetros de Belém. Ela afirma ainda
que alguns pais optam por não se envolver por razões financeiras. "Quem
não tem condição de arcar com uma fantasia para os filhos fica
envergonhado e não participa. Fala-se tanto em inclusão, mas as festas
às vezes excluem."
7. Não ter uma finalidade certa para os recursos arrecadados
Pequenas
reformas, mobiliário novo, material pedagógico... Quando a verba que vem
da secretaria não dá para comprar tudo, pensa-se em festa para
arrecadar fundos. A comunidade é convidada, participa, gasta, e muitas
vezes não fica sabendo o destino dos recursos. Pior, às vezes o dinheiro
que seria usado na ampliação da biblioteca ou na compra de computadores
vai para outro fim. A solução é divulgar o objetivo da iniciativa e
prestar contas quando o bem for adquirido. Em tempo: a arrecadação
sempre aumenta quando bebidas alcoólicas são vendidas. Renata Violante
não acredita em meio-termo: "A bebida deve ser proibida. Os diretores
que inventem outras maneiras de obter mais dinheiro".
8. Ter como objetivo principal apenas atrair os pais
Eles não
costumam ir às reuniões, não conversam com os professores sobre o avanço
dos filhos e mal conhecem a escola. Os diretores pensam: "Quem sabe,
para se divertirem, os pais venham até nós". Embora os momentos de
confraternização com os familiares sejam importantes, eles não devem ser
a única maneira de envolvê-los. Reuniões marcadas com antecedência e
planejadas para compartilhar o processo de aprendizagem e a produção
intelectual, artística e esportiva das crianças são as iniciativas que
exibem os melhores resultados quando o objetivo é atrair e conquistar as
famílias.
9. Usar as festas como única maneira de socializar a aprendizagem
Um dos
objetivos da escola deve ser exibir a produção intelectual e artística
do aluno, principalmente aos pais, nas mais variadas ocasiões. Fazer uma
festa é apenas uma possibilidade, por isso não deve ser usada em
excesso. Geralmente, o caráter de recreação costuma dificultar a
apresentação dos saberes. "Já feiras e exposições favorecem o foco no
conhecimento e permitem ainda situações de comunicação oral formal,
importante maneira de compartilhar o aprendizado", explica Maura
Barbosa, do Cedac. Exemplos: um seminário sobre um conteúdo trabalhado
em Ciências ou um sarau de poesia. (E, depois disso tudo...)
10. Jogar tempo fora
Usar a
sala de aula ou o período que deveria ser dedicado a atividades
pedagógicas para os preparativos é um desrespeito com as crianças e com o
compromisso que a escola tem de ensinar. "O diretor raramente investe
na ref lexão sobre os indicadores de aprendizagem dos alunos o mesmo
tempo que gasta com a produção dos eventos. O professor, por sua vez,
deixa de promover situações intencionais de ensino", afirma Maura. Se a
festa não é concebida como maneira de contextualizar os conteúdos
aprendidos, ela deve ser organizada sempre em horários alternativos aos
das aulas.
Tem de ter festa!
Ninguém é
contra festas, desde que elas sejam para recreação pura e simples ou uma
maneira de socializar o aprendizado. As do primeiro tipo podem envolver
todos e ser muito divertidas, desde que não ocupem o tempo de sala de
aula na organização. Já as que são planejadas para finalizar o estudo de
determinado conteúdo exigem muito preparo. Quando o evento faz parte do
projeto didático, o tema precisa ser previsto no currículo (e é
dispensável a relação com efemérides) e nada mais justo do que usar o
tempo de sala de aula para a sua produção (que também envolve
aprendizado). Antes de bolarem o evento junto com o professor, os alunos
certamente serão convidados a pesquisar, levantar hipóteses, realizar
diversos tipos de registros e trocar conhecimentos com os colegas. Já
que a festa é uma das etapas do processo, fica proibido deixar alguém de
fora. Se um aluno não quiser participar por qualquer motivo, cabe ao
professor envolvê-lo e ajudá-lo a superar as dificuldades que surgirem,
seja em relação a timidez, seja em relação a habilidades de comunicação.
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