MIDIAS PARA EDUCADORES E FORMADORES

La vida que voa!!!

Uma Narrativa sem igual é Humana

Antonio Gil Neto

"A sabedoria é resplandecente, não murcha, mostra-se facilmente para aqueles que a amam. Ela se deixa encontrar por aqueles que a buscam. Ela se antecipa, revelando-se espontaneamente aos que desejam". (Livro da Sabedoria)
Foi o que ouvi daquela professora? Um rasgo de história de vida.
Ela é jovem, lá pelos seus trinta anos, vários deles da profissão. Por alguns dedicara-se inteiramente ao trabalho naquele quase esquecido lugar. Ilhada, só tinha vida de escola e de conviver naquele pedaço de terra cercado de verde-água do mar, inundado pelos destinos do tempo. Sua bússola e incertezas, o fluxo das águas. Sempre a ordem dos dias. Não oferecia, muitas vezes segura condição para a colheita laboriosa ao mar e para a travessia à Vila no abastecer-se dos mínimos víveres. Fora isso a falta de energia elétrica, de gás e de um costumeiro lugar de compra do útil e mais que necessário. Só mais natureza e fantasia. Os humores das águas rascunhavam apenas planejamentos sem desfechos. Ficava de regra dois, três meses sem visitar alguns de afeto que se abrigavam no continente separado pela dificuldade. Dinheiro? Pouco e bem rareado pela grandeza dos seus feitos.
Não se reconheceria em foto emoldurada em parede solene. Mas, lá estaria em olhar límpido de puro sorriso.
Na escolinha, de pequena morada, seus dois turnos. Abrigaria de manhã, os maiores, em aprimoramento dos cálculos e das leituras e do escrever. De tarde, mais um ínfimo grupo dos pequenos, nas primeiras lidas com as letras. O aguardar pelo encantamento, às sombras. As poucas dezenas de famílias ali viventes de raiz estavam há muito ali plantadas, espalhadas pela mata, na virgindade do existir preservado em histórias de naufrágios, índios e piratas. Amorteciam os tempos parados e presentificavam-se em meio às lições. Os meninos desenhavam-se naquele mundo de ilha isolada, um lugar de pedras com tantos tons. Fora isso era inventar gostosa brincadeira, contar histórias nascidas de algum livro escolhido, roçar um terreno para algum plantio ou utilidade da escola. Ou cuidar de alguma fruta e verdura estando para vingar. Sobrava breve tempo para as higienes e o sustento. E uma intimidade de ler à luz da lamparina. Mais o imaginar de mar cheio de promessas e amanheceres melhores.
Os moradores se mostravam com vagar, zelando pelo selvagem nas almas. Mas, aos poucos a professora foi ficado de casa. Uma ou outra mãe se achegava para saber dos bons cuidados que sabiam permanecer e que deixavam os meninos inquietos de nova vida. Um reconhecer de respeitoso gesto brotava na rudeza mais que ancestral.
Dona Mariinha era a moradora mais antiga em vida. Em seu teto de longos anos, bem em frente à escola, acostumado a ventos e intempéries, começara a tratar sua vizinha como parceira das coisas da ilha. Haviam navegado juntas em viver de ajuda e humanidades: ora um pescador que precisava de enfermagens ou um recém-nascido que pedia maiores cuidados. Ora uma família que necessitava sustento ou um alguém carente de boas palavras. Ambas de saber em avessos teciam trilhas pelos afetos. Lá estavam.Eram. Ambas ofereciam atitudes para a fome e dor dos que ali padeciam.
Tudo corria normal entre os dissabores do mar.
Mas, Dona Mariinha num dos dias comuns caíra enferma. Grave. Cuidados, todos. Raízes, rezas e unguentos não davam conta de trazê-la para o vigor da vida, do cuidar de si. Muito menos dos que ali viviam. A ferida se abria em fogo e febre. A guardadora das memórias da ilha poderia ausenciar-se em algum por de sol.
Os olhares de tímido e grave desespero flechavam a ação da professora. Estrangeira, traria outras esperanças.
Na agonia, a impossibilidade de realizar alguma travessia para um socorro de boa ciência e tecnologias. O mar era um não deixar extremo. Os pescadores sabiam isso como lei maior. Só restava aquele azul e a imensidão do possível.
Lá estavam na vivenda, sós, em silêncios. A enferma parece dormitar, respirando feito onda macia. A professora troca-lhe de leve os curativos. Arruma as cobertas, ajeita água na moringa. Sai para rezar. Pensar, depois. Seus pés desenham passos difíceis na areia grossa. Em cima as nuvens escureciam-se. E ventos. A selva dialogava em cantigas de espera, a terra arquitetava silenciosamente suas fertilidades, pássaros entoavam calma. Atrai-se pelo alaranjado firme dos cachos das flores de São João. Em exuberância tomam conta ao fundo do quintal. Serpenteiam-se nos arbustos, descansam nos restos de embarcações em amontoado junto ao coqueiral feito coleção de ventiladores suspensos.
Os verdes dançam um pouco nos galhos. As marés namoram todos os barcos dali.
Logo ali a nascente desliza em prateado sua aguinha doce e dormida. Em barulhinho prestimoso guarda pedrinhas multicores, pequeninos peixes, encantos.
Fica breve tempo inerte como algo de selva. Uma reza imperiosa, um clamor fecundo desabrocha no peito feito humildade em aberto. Um revelador de palavras perdidas. Alcançaria as nuvens? Um renovar?
Algumas lágrimas pendem, embaçavam seu olhar. Dialogam com o movimento do fio d'água na terra. Foi o que aconteceu de sinal. De bom. Na correnteza, estampa-se no prateado que espelhara nuvens, os olhos de Nossa Senhora. Aquela que zela em imagem ao lado da cama, com alguma flor,  iluminada dia e noite pela velinha boiando num copo com água e óleo.
Por detrás do alaranjado, do fundo da mata um movimento veloz. Um morador chegando para algo? Não reconhece o vulto com roupas quase escuras. Tenta se achegar.  Em movimentos arredios, tímidos o visitante adentra-se, retorna ao interior de origem. Desentrega-se de algum medo. Arrepios fininhos em desconhecimentos vincam-se como iluminuras.
No chão um feixe de gravetos atados com cipó. Sem indagar mistérios, a professora acolhe-o como presente. Colocaria no fogão de lenha para esquentar a beberagem, o chá de ervas escolhidas e espantar o perigo da sua enferma. Lá contaria em outra aritmética seus treze gravetos secos, prontos para se transformar em luz. Talvez, mais um sinal de outra sabedoria. Talvez uma regra de algum tempo que teria para realizar travessias de enfrentar o mar e reacordar mais um pequeno milagre.
(para a Carla, de olhar límpido de puro sorriso. E para professores que têm histórias escondidas em belezas e sabedorias para nos encantar).

quarta-feira, 20 de junho de 2012

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