A FÁBULA DA MUDANÇA
La Fontaine
Uma Abelha Rainha saiu para um vôo e viu um monte de formigas agarradas umas as outras, boiando sobre a água. Curiosa indagou à formiga, que ela naturalmente reconheceu como a rainha deles, e perguntou:
“Minha Senhora, o que faz como viaje assim desprotegida? O que aconteceu com o teu reino?”
“Minha Senhora”, respondeu a Formiga Rainha, não sem pompa, mas com certa irritação por ter de dialogar com aquela jovem, “estamos sempre de mudança. Quando é tempo de enchente, as águas destroem meus muros e temos de nos mover e reconstruir tudo.”
“Incrível, eu lamento a tua sorte”, ela disse e se despediu. Quando voava para longe ouviu a Rainha Formiga se despedir e ao mesmo tempo parecia que ela falava com a voz de todas outras formigas: “Que vida fácil tem, podendo se dependurar no alto de árvores. Adeus.”
Continuou voando a Abelha Rainha até que viu uma Aranha, cuidadosamente tecendo uma teia. Quando dez dos cem olhos da aranha se focaram nela, disse tímida:
“Oi!”
“Eh?”, assustou-se a aranha que agora a fitava com noventa e nove olhos, ”quem vem lá? Uma vespa?”
“Não, não. Eu sou uma Abelha R..., uma Abelha qualquer.”
“Ah, ainda bem. Mas o que você quer minha jovem?”
“Apenas admirando! Suas teias são tão famosas, tanto quanto o meu mel. É maravilhosa. Dizem que são impossíveis de serem quebradas!”
“Hah! Quem me dera! Eu tinha uma teiazinha, que gracinha! Perfeita, com vista para as montanhas e quando o sol se punha, os fios brancos brilhavam alaranjados. Então, ontem, uma onça maluca resolveu caçar uma anta! Que desastre, saiu onça montada em anta, correndo por tudo quanto é lado, e “vush”, passaram bem no meio da minha teia. E cá estou, tendo de reconstruir tudo, nesse lugarzinho de segunda classe cuja melhor vista que tenho é aquele tronco velho e carcomido que uns queixadas usam para se coçar.”
“Ai meus deuses”, disse a Abelha e saiu voando dali, tão desconcertada que nem ouviu a aranha dizendo suavemente:
“Mas se você gostou da teia, porque não chega aqui perto e brinca um pouco com ela. Eu não ligo, vem.”
A Abelha Rainha sentia-se tão perdida que viu um jabuti andando pela mata.
“Ele nasce com o casco. Com o casco morre. Nunca muda. Deve ser o ser mais feliz do mundo, pois nunca tem de mudar e mudar parece ser só causado por desastres.”
Como se sentia cansada ela sentou-se no casco do jabuti e ficou ali meditando. Acabou dormindo um pouco e com os olhos entreabertos percebeu algo que nunca havia antes percebido. Quando não havia ninguém olhando, o jabuti movia-se bem rápido. Parecia mais ligeiro que um veado campeiro e mais ágil que um macaco prego. E ela notou que ele trocava de casco rapidamente, sempre por um mais confortável. Na hora que ela, cheia de curiosidade, disse:
“Oi”, ele voltou a se mover lento, lento como sempre.
“Oi?”, respondeu o jabuti depois de alguns minutos.
“Desculpe-me a impertinência, mas eu noto que você muda muito pouco. Isso deve ser porque você é muito feliz, não?”
O jabuti coçou a cabeça e sorrindo de um jeito misterioso disse:
“Mudar só causa tristeza quando não mudamos na hora certa. E permanecer o mesmo só é bom se não é hora de mudar.”
“Mas você...”, ela continuou e o jabuti piscou para ela e disse:
“Todos temos segredos, temos de parecer com algo que não somos. Assim é a vida. A Onça pintada é na verdade listrada e os jacarés realmente choram. Mas eu não fico perguntando, o que faz uma Abelha Rainha tão longe da colméia, fico?”
“Não”, disse a Abelha que levantou vôo, “adeus”. O jabuti respondeu adeus, mas demorou tanto que quando havia terminado a Abelha Rainha já estava bem longe dali.
Ela voou e percebeu que estava realmente muito longe de casa. Estava em um campo florido e ficou impressionada: no ar havia um perfume de rosas, lírios, cravos, madressilvas, orquídeas, margaridas; e ela pensou que havia encontrado o paraíso das abelhas. Então o sol começou a sumir e ela viu aquele brilho maravilhoso.
Quando anoiteceu ela perguntou um morcego que por lá passava e encontrou o caminho de casa. Entrou no quarto dela e ficou meditando. Quando acordou finalmente viu a colméia, sua primeira colméia, ainda pequenina. Várias abelhas entrando e saindo. Era um lugar bom. Então chamou o zangão-mor:
“Sim, majestade?”, ele disse.
“Vamos, reúna todos os nossos, carregue os nossos ovos. Vamos embora.”
“Para onde?”, perguntou o Zangão, que podia até achar estranha aquela idéia, mas zangões não costumam argumentar com Abelhas Rainhas.
“Para oeste. Eu aviso quando chegarmos.”
E assim termina a fábula, quer dizer, com a seguinte moral: Nem só desastres fazem o homem mudar. Fica você leitor a decisão de julgar se essa fábula pode ou não dizer algo sobre o futuro, ainda que tenhamos de ouvir sobre um jabuti de fala misteriosa.
fonte: www.aletria.com
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